Carlos Alberto Menezes – foi Presidente da OAB e é professor de direito penal na UFS, sendo doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
O procedimento judicial conta com certos personagens para rolar. Alguns são ligados ao poder executivo, mas, sem eles, as coisas da justiça não andam. É o caso do policial, do carcereiro, e até mesmo do carrasco [convém lembrar que tem pena de morte no Brasil(!), prevista para casos específicos]. Outros ocupam posições no poder judiciário mesmo. É o caso dos serventuários em geral e dos magistrados. Ainda tem aqueles que ocupam um lugar incerto e não sabido, isto é, nem são do executivo, nem do judiciário. (Sem o selo capaz de revelar sua origem, eles mesmos resolveram o problema e, sempre que podem, anunciam que são o quarto poder.) É o caso dos Promotores. Finalmente, tem os advogados. Qual o lugar onde tomam assento?
Com efeito, no passado eram vinculados [em geral] ao mercado e, num grau bem reduzido, ao Estado, mais precisamente ao Executivo, ali onde ocupavam posições junto às Procuradorias de seus órgãos. Hoje é diferente. Advogados passaram a ocupar espaços mais amplos no Executivo, ora, mantendo-se nas Procuradorias, ora, constituindo o novo, interessante e fecundo circuito da Defensoria Pública.
Isso não significa, contudo, que o mercado reduziu o tamanho do espaço que advogados sempre ocuparam ali. Nem tinha como significar. Afinal, a matéria-prima que a um só tempo alimenta e demanda seu ofício é formada pelos conflitos humanos, pelo incessante jogo dos interesses em choque, pela carga de agressividade que todos carregam e que, não raro, abre caminho para desconstituir ou despedaçar o outro como sujeito. Em cenários assim, já que impedidas de fazer justiça pelas próprias mãos, as pessoas chegam na justiça pelas mãos de seus advogados. E o que estes podem fazer?
Bem, a resposta para esta questão depende da conjuntura. Assim, numa conjuntura marcada pela normalidade, nada mais podem do que lançar mão dos mecanismos que a razão jurídica sempre recomenda e as instituições do Estado acolhe. Nesse caso, o êxito de seu trabalho não é garantido apenas pela solução favorável que alcançou; é garantido também ali onde, mesmo sem um final feliz para a causa, haja o reconhecimento de que investiu nela o melhor de suas energias.
Mas, e se a conjuntura for anormal, cheia de furos, indiferente a limites, perturbada por excessos onde o que vale não é a regra votada pelo legislador ordinário, mas aquela ditada pelo legislador encoberto que todos carregam dentro de si e, por isso mesmo, capacitada para um giro de volta à animalidade ou, para ser mais brando, ao arbítrio? O que podem, nesse caso, os advogados? Muito ou pouco?
Receio que nem uma coisa, nem outra. Ou melhor, talvez nem dê para medir ou avaliar o grau de força e a eficácia que daí se projetam, quando omadvogado saca da norma válida [aquela pertencente ao sistema jurídico] como arma diante de quem, ao decidir, faz uso de norma inválida, particular, aquela que tem como fonte sua subjetividade.
Pensando bem, aí só lhe resta uma alternativa. Ela tem como inspiração a lição dos antigos gregos. Aquele povo ensinou que nada é tão mortal e desconcertante quanto uma boa gargalhada. O sujeito mais audacioso da história não teve como suportá-la. Foi Alexandre. Depois de conquistar o Oriente, mandou avisar à Grécia que se tornara um Deus. Os gregos riram tanto com a piada e isso atingiu com tamanho impacto o jovem guerreiro que, desapontado, bebeu até não poder mais e morreu (sua turma espalhou depois a versão que a causa da morte foi um vírus desconhecido).
Que tal os advogados insistirem mais no uso da gargalhada como arma? Seu emprego tem força para criar um novo idioma, formado agora não por palavras, mas por sonoros ruídos que atormentam e liquidam qualquer que seja o inimigo da normalidade.
Aracaju, 10 de maio 2020.