Afonso Nascimento
Professor do Departamento de Direito
A emergência da UFS em 1968 foi o momento menos propício à fundação de um sindicato docente, pois naquele ano foi quando o regime militar “endureceu”, ou seja, quando os militares mais radicais e mais direitistas tomaram conta das rédeas do governo federal. Por que os militares entregariam uma universidade “completa”, com um sindicato docente e outros em funcionamento? Em 1968, os estudantes, que já estavam organizados em centros e diretórios nas escolas superiores e faculdades, fundaram o Diretório Central dos Estudantes (DCE) que será esvaziado, não fechado, no mesmo ano, na sua volta do Congresso da UNE, em Ibiúna, no estado de São Paulo. Se algum professor pensou em abrir um sindicato, teve de esperar mais onze anos para ver o projeto realizado.
No tempo em que só existiam escolas superiores e faculdades, ou seja, de 1948 a 1968, nenhuma dessas instituições ousou abrir órgãos de representação dos docentes. É preciso dizer que, de 1948 a 1964, quando funcionaram as primeiras escolas superiores e faculdades, federalizadas ou não, o país vivia sob um regime democrático, mas não foi fundado nenhum sindicato de professores das escolas superiores e das faculdades. Por que assim? Com o advento do golpe militar de 1964, e com a repressão caindo sobre os grupos organizados, essa ideia ficou descartada. De acordo com minhas pesquisas, não encontrei nenhuma informação sobre qualquer movimentação nesse sentido. Só existia mesmo era o sindicato dos professores da rede estadual de ensino. Em relação aos estudantes universitários, eles possuíam um órgão de representação estadual que era a UES.
Com a publicação do Ato Institucional no. 05, de 13 de dezembro de 1968, editado pelo general Arthur da Costa e Silva, o país mergulhou mais profundamente em uma ditadura, com os militares reivindicando para si todos os poderes arbitrários. Toda a máquina estatal ficou subordinada aos militares. Os historiadores falam em “anos de chumbo”, referindo-se ao período em que vigorou esse ato institucional. Em 1978, dez anos depois, é que o general Ernesto Geisel revoga esse documento jurídico como parte do processo de distensão que então começava. Fê-lo através da Emenda Constitucional no.11, de 13 de outubro de 1978. Mesmo durante a vigência do Ato Institucional draconiano (“a verdadeira constituição brasileira”) e do Decreto-Lei no. 477 (“o AI-5 dos estudantes”), de 26 de fevereiro de 1969, os estudantes universitários sergipanos ousaram e conseguiram repor em funcionamento, em 1975, o seu principal órgão de representação que era o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFS. Foi reaberto, é verdade, porém continuou sendo objeto de vigilância pela comunidade de informações.
O projeto de fundar um sindicato dos professores da UFS teve de enfrentar certos problemas. Além do conservadorismo de muitos professores locais, havia o medo de perder o emprego e o receio de entrar na lista dos monitorados pela comunidade de informações da UFS. Um desses professores fundadores do futuro sindicato, Antônio Ponciano Bezerra, informou que foi convocado pela Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), cujo titular da pasta lhe disse para tomar cuidado pois Ponciano só existia um (*). Isso correspondia a uma ameaça explícita. Coisa “natural”, pois era a AESI, fundada pelo reitor Luiz Bispo e pela unanimidade dos membros do Conselho Universitário em 1971, que fazia o controle ideológico da comunidade universitária. Não me surpreenderei se souber que outros membros fundadores do sindicato docente tiveram recebido semelhante intimidação.
Continuando a falar do grupo de fundadores, eis aqui alguns dos nomes arrolados no abaixo referido artigo de Antônio Fernando de Araújo Sá: Antônio Ponciano Bezerra, Ilka Bichara, Claudete Sales Sampaio, Gilza Motta, Luiz Alberto dos Santos, Terezinha Oliva, Maria Socorro Rufino, José Costa Almeida, Josué Modesto dos Passos, José Silvério Leite Fontes, Eduardo Ubirajara. O artigo ressalta, quando faz referência a duas professoras que tinham vindo da Bahia (Ilka Bichara) e do Ceará (Maria Socorro Rufino), o importante papel jogado pelas professoras na fundação do sindicato docente. Em 1979, foi fundado o primeiro sindicato de professores e servidores da UFS, chamado de ASUSF, sob a liderança de José Silvério Leite Fontes. Isso mesmo, com as duas categorias de funcionários públicos reunidas em uma mesma associação sindical. Do mesmo modo que outras associações de professores universitários brasileiras, a ASUSF teve vida curta, bem como a sua dimensão assistencialista. Os seus filiados podiam gozar de cuidados médicos e de descontos em compras no comércio local.
Com o desmembramento dessa instituição sindical (ASUSF) em duas novas, o novo sindicato dos professores, a Associação dos Docentes da Universidade federal de Sergipe (ADUFS) pôde vencer a fase assistencial e recreativa. A causa imediata dessa dissociação institucional foi o protesto contra o tratamento dado aos professores auxiliares e colaboradores da UFS recém-concursados, que era diferente dos demais. Novamente, o experiente professor e sindicalista José Silvério Leite Fontes, a despeito das restrições do seu Departamento de Direito, liderou o grupo, recrutou professores interessados e ajudou a fundar o sindicato docente cujo nome foi trocado, como já foi dito acima. Os primeiros dirigentes da ADUFS foram a presidente Lenalda Andrade dos Santos e o vice-presidente Josué M. dos Passos Subrinho. Sem poder entrar em detalhes nesse espaço, no mesmo ano de 1981, foi criado o sindicato nacional das universidades federais (ANDES).
Examinando retrospectivamente o processo de construção da ADUFS já no contexto do “novo sindicalismo”, pode-se perceber o seu papel central na gestação de uma identidade coletiva dos professores, o que, com o recrutamento de mais filiados, tornou possível ações coletivas (greves, etc.) dos docentes da UFS, em um clima político ainda de oposição ao regime militar. É imperativo ainda lembrar que, da combativa ADUFS, surgiu o braço intelectual e universitário do nascente Partido dos Trabalhadores (PT) em Sergipe em 1981.
(*) Foi da pesquisa de SÁ, Antônio Fernando de Araújo. História e memória do movimento docente na Universidade Federal de Sergipe (1979-1990). In História e Perspectivas. Uberlândia (58), 2018, que foi extraída a maior parte das informações do pequeno texto acima. O seu autor não tem responsabilidade pelo uso que delas foi feito.