Os arquivos da Ditadura Militar em Sergipe

Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS

Onde se encontram, com quem estão e qual o estado de conservação dos arquivos contendo documentação sobre a ditadura militar (1964-1985) em Sergipe? Para responder a essa pergunta, classificaremos os arquivos, com ou sem aspas, em públicos (federais, estaduais e municipais) e privados (instituições e pessoas). A nossa intenção é meramente descritiva e informativa e não significa dizer que as instituições tenham necessariamente um envolvimento positivo ou negativo em relação àquele regime autoritário brasileiro. Nenhuma valoração, portanto. Não é tão pouco um inventário de fontes à moda na academia. Trata-se apenas de mais um esforço com vistas a contribuir para ajudar nos trabalhos da Comissão Estadual da Verdade.

Faz sentido começar pelos arquivos municipais e estaduais públicos por serem quase sempre ignorados quando o assunto é abordado. Como e onde estão os arquivos dos setenta e cinco municípios sergipanos? Qual é a situação dos arquivos do Ministério Estadual e da Procuradoria Geral do Estado, duas instituições que estiveram envolvidas na Comissão Geral de Inquérito (CGI), que funcionou, aparentemente, na Capitania dos Portos de Aracaju. Outra instituição importante foi a Secretaria de Segurança Pública (SSP), o que leva a questionar sobre o papel das polícias militar e civil sergipanas. Naquela secretaria havia um órgão chamado Departamento de Ordem Política e Social, que teve um papel importante na vigilância e na repressão durante a Ditadura Militar em Sergipe. Mesmo nos períodos de calmaria repressiva em Sergipe, havia comunicação desse órgão com o 28º. BC, tratando, entre outras coisas, da circulação de pessoas consideradas suspeitas e oriundas de outros Estados brasileiros.

Incluiremos ainda nessa lista os arquivos de empresas públicas estaduais como a DESO e a ENERGIPE, instituições que eram vigiadas da mesma forma que colégios públicos estaduais. Deixaremos de lado outras instituições públicas por terem tido um papel menos central em termos de envolvimento. Em relação às instituições privadas sergipanas, é necessário perguntar-se sobre os arquivos da Igreja Católica (correspondência entre autoridades eclesiásticas e militares), da Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (onde estão os arquivos que estavam depositados no primeiro prédio da reitoria da UFS?), da OAB (mesmo tendo sido aparentemente omissa, nos seus arquivos consta alguma documentação?), das empresas de comunicação (quais as recomendações que os jornais recebiam?), dos sindicatos de setores privados e públicos da economia sergipana, instituições privadas de ensino que recebiam alunos expulsos de escolas públicas. Se existe, onde está a documentação sobre as organizações políticas clandestinas? Seus militantes terão guardado documentos de algum tipo?

Ainda tratando serenamente de instituições estaduais, o que guardam o Arquivo Público de Sergipe e o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe? Onde está a documentação trocada entre Casa Civil do governo do Estado e as autoridades militares do 28º. BC? Como se comportaram os governadores biônicos de Sergipe em relação às ordens partidas da caserna? Quais as correspondências dirigidas aos chefes do Judiciário e do Legislativo?

Em relação aos arquivos federais sobre a ditadura militar em Sergipe, é deles que mais se fala. Nesse nível, tomaremos como ponto de partida a instituição onde trabalho. A documentação da UFS relativa ao período em questão está toda digitalizada e disponível. Em relação à UFS, atenção especial deve ser posta sobre Assessoria Especial de Segurança e Informação e sobre a Procuradoria Geral (seus procuradores eram convidados a dar parecer sobre assuntos de interesse de uma Comissão da Verdade?) O que é feito da documentação da antiga Escola Técnica Federal?

Sobre a documentação do 28º. BC, foi-nos dito que toda ela teria sido remetida à 6ª. Região Militar em Salvador. Será? O mesmo teria acontecido com a documentação da Marinha e da Aeronáutica? Será? E em relação à documentação da Polícia Federal? Onde estão os processos abertos pela polícia política brasileira contra opositores do regime militar em Sergipe? Onde está a documentação sobre suas operações em Sergipe? O arquivo do SNI, hoje ABIN, já está disponível para consulta?

Quais são os paradeiros dos arquivos de empresas estatais federais consideradas grandes focos de militância política contra a ditadura militar como Petrobrás, Vale (à época empresa estatal), Leste Brasileiro, Correios e outras mais. Onde estão os seus arquivos? O mesmo seja dito a respeito da documentação da Delegacia do Trabalho e seus arquivos sobre os sindicatos patronais e de trabalhadores sergipanos. Em relação ao Ministério Público Federal, justamente por ter realizado dois encontros para discutir possíveis violações dos direitos humanos pela ditadura militar, também precisa expor os seus arquivos. Por que ainda não abriram os seus artigos?

Quanto às pessoas como “arquivos”, muito do que elas falaram está transcrito nos interrogatórios em instituições militares e policiais cuja documentação se encontra em Salvador (Justiça Militar). O Arquivo do Judiciário tem documentação sobre as duas ondas repressivas (1947 e 1952) sobre o Partido Comunista Brasileiro em Sergipe. As lideranças mais expressivas da oposição aos militares deram muitas entrevistas a pesquisadores universitários, todavia mais depoimentos são necessários – aqui incluídos de pessoas que formal ou informalmente trabalharam para o regime militar em Sergipe. Enquanto nada é feito quanto a isso, muitos desses “arquivos vivos” estão envelhecendo e morrendo.

Falando estritamente sobre as instituições portadoras de documentação sobre qualquer envolvimento engajado seu no período ditatorial recente em Sergipe, observa-se certo silêncio ou um faz-de-conta de que nada têm a ver ou a dizer. Isso é ruim e consiste em mais um legado negativo que regimes autoritários deixam nas instituições e nas pessoas, o que só reforça a minha convicção de que ditadura de nenhum tipo presta. Sendo eu contrário a qualquer tipo de revanchismo e contrário à revogação da Lei da Anistia, considero que instituições que abrirem seus arquivos e suas documentações espontaneamente mostrarão sinal de maturidade institucional e democrática e isso poderá ser entendido como um pedido de desculpas ao povo sergipano que só as engrandecerá.

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