Afonso Nascimento – Professor de Direito da UFS
As elites civis e militares de regimes de exceção não têm muita simpatia por professores, especialmente os professores universitários. A razão para isso reside na crença de que professores são supostamente alguns dos responsáveis pela politização de estudantes e no fato de eles mesmos, os professores, constituírem um grupo de intelectuais um tanto politizados sobretudo na área das Ciências Humanas. Essas elites autoritárias desgostam sobretudo daqueles professores que falam em “pensamento crítico”, em “inclusão social”, etc. Os professores dissidentes são amiúde rotulados de “subversivos”, “comunistas”, entre outros adjetivos. Agora, se existem professores que apoiam esses líderes e suas ideias autoritárias, bom, aí é outra história.
Na Alemanha nazista, os seguidores de Hitler fizeram expurgos de professores que não se adequavam às ideias fascistas. Na extinta União Soviética, seu regime totalitário fez a mesma coisa. No Brasil, durante regime militar, o tratamento dispensado aos professores não difere daquele dos países mencionados. Nesse pequeno texto abordarei como os professores universitários das faculdades, das escolas superiores e da Universidade Federal de Sergipe (UFS) eram tratados pelos militares.
Os generais do regime militar brasileiro (1964-1985) sempre achavam que as universidades eram celeiros de “comunistas”, “agitadores”, “subversivos”, “contestadores” da ordem estabelecida e assim por diante. Em relação aos professores universitários, estes quase sempre eram vistos ou tratados com suspeição. Isso explica porque muitos professores das grandes universidades brasileiras foram monitorados, perseguidos, presos, torturados, desaparecidos, mortos, demitidos, expurgados, ou forçados a tomar o caminho do exílio em países da Europa e de outros continentes.
Em Sergipe, quando ocorreu o golpe militar de 1964, só existia ensino superior oferecido por faculdades e por escolas superiores, mas o tratamento dado aos professores foi o mesmo daquele nas universidades brasileiras, não chegando, porém, às medidas mais radicais, sobretudo por conta da teia de relações pessoais locais. Acrescento que, à época, o número de professores era pequeno, mesmo quando essas escolas superiores e faculdades foram incorporadas à UFS, instituição fundada em 1968. Entro mais objetivamente no objeto deste pequeno texto.
Salvo engano meu, o regime militar em Sergipe não matou, não mandou para o exílio, não praticou a tortura e não fez desaparecer professores universitários. Até onde sei, só dois professores de Economia foram atingidos pela ditadura. Refiro-me aos professores Manoel de Rezende Pacheco e Paulo Barbosa de Araújo. Tenho pouca informação sobre o primeiro professor, que diretor da Faculdade de Economia, enquanto o segundo também era professor de Economia e membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A propósito, ele fez um belo relato de sua militância comunista em seu livro “Ícones de um terremoto”. Ainda tratando do curso de Economia, o professor pernambucano, ex-sargento exonerado do Exército, Nilton Pedro, teve de deixar o magistério universitário na UFS quando foi descoberto esse fato de sua vida pregressa. Gilton Garcia teve o seu mandato de deputado estadual cassado, também foi expurgado da Faculdade de Direito, instituição na qual era professor.
Alguns professores da Faculdade de Direito tiveram de subir a colina onde se encontra o quartel do 28º. BC. Enquanto diretor da Faculdade de Direito, o professor Gonçalo Rollemberg Leite foi convocado, na condição de testemunha, a depor sobre o que se passava na escola de Direito, o espaço mais politizado entre as instituições de ensino superior. Os militares sabiam que ele não tinha nada a ver “comunismo” ou “subversão”, mas achavam que fazia vistas grossas ao que se passava na faculdade sob sua direção. Era “omisso” ou, dito de outro modo, habilidoso quanto ao trato institucional e social em tempos de ditadura. O professor Osman Hora Fontes, por sua vez, depôs no quartel do Exército enquanto vice-diretor da Faculdade de Direito sobre a greve havida na instituição em 1963. O professor de Medicina e primeiro reitor da UFS, João Cardoso do Nascimento Júnior, foi mais longe. Certa vez foi convocado a depor no quartel da 6ª. Região Militar, em Salvador. Na sua volta da Bahia continuou reitor.
Waldemar Fortuna de Castro, vice-reitor da UFS do primeiro reitor e professor de Direito, era monitorado e a comunidade de informações achava que ele era “anti-revolucionário” e que frequentava muitos eventos estudantis. O professor de Direito Internacional, José Silvério Leite Fontes, estava muito envolvido no processo de reformas políticas estancado pelos militares em 1964. Foi o líder sindical que comandou a greve dos professores da rede estadual de ensino (ao longo da qual foi tornada greve geral dos funcionários públicos estaduais). Foi indiciado e não teve mais problemas porque tinha um irmão que era tenente do Exército na guarnição sergipana. Dois professores da Faculdade de Serviço Social, o jurista Luiz Rabelo Leite e o professor de Sociologia Ovídio Valois, também tiveram que depor no 28º. BC. O primeiro tinha sido secretário estadual de Educação de Seixas Dória e estava envolvido no processo de reformas sociais e políticas antes de 1964.
Duas professoras foram impedidas de tomar posse em seus postos. A primeira foi Elvidina Macedo, depois de ter sido aprovada em concurso público. Ela é filha do político falecido Francisco de Araújo Macedo, então presidente do Partido Trabalhista Brasileiro em Sergipe. A justificativa para o veto teria sido uma suposta prescrição de direito, já que ela tinha sido aprovada em segundo lugar no concurso. Não foi convocada para assumir o posto. Em vez disso, fizeram um novo concurso e empossaram o primeiro aprovado. Há também o caso de professora Maria Evanda Gomes que foi selecionada pelo alto clero da Igreja Católica, todavia, mesmo assim, teve barrada a sua entrada na instituição universitária. Essa professora tinha feito estágio em Sergipe e treinamento em Pernambuco. Ela recorreu até o general presidente de plantão sem sucesso. Em seu caso, o impedimento se deveu ao fato de ela ter sido presidente do centro acadêmico de Letras, ter tido colegas comunistas e ter participado de assembleia estadual em que teria votado seguindo posicionamento de “esquerdistas”.
Considero que não devem ter sido poucos os casos de controle ideológico de professores. O professor José Bonifácio Fortes Neto entrou na mira dos militares como um caso de controle ideológico, mas sem afastamento e, sim, com deslocamento de uma disciplina política para outra bem menos política. Ele foi transferido da cadeira de Direito Constitucional para a disciplina de Direito Administrativo na mesma Faculdade de Direito. Isso aconteceu pouco tempo depois do golpe militar de 1964. Mais tarde, para tornar-se professor da UFS, os interessados tinham de ter, além da competência acadêmica, um “nada consta” da Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), órgão de segurança e informação do SNI lotado dentro da instituição de ensino. A partir dos anos 1970, esse órgão alimentava e era alimentado por outras instituições como a Polícia Federal e os serviços de informação das forças armadas. O professor João Costa foi outra vítima do controle ideológico da ditadura. Sendo ele escritor de peças teatrais, teve de frequentar a Polícia Federal, diversas vezes, para tentar liberar os seus trabalhos. Mas também há contradições no tratamento de professores que tinham no seu currículo estudantil militância política de esquerda, e que, mesmo assim, tornaram-se professores da UFS. Nomes? A professora Ilka Bichara, de Psicologia, já tinha militância no PCdoB na Bahia quando veio trabalhar na UFS. O professor Moacir Soares da Motta tinha sido militante da Ação Popular (AP) enquanto foi estudante de Direito.
Recentemente vim a saber que o professor Antônio Ponciano Bezerra foi intimidado, pelo diretor da Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI) – criada em 1971 pelo Reitor Luís Bispo com aprovação unânime do Conselho Universitário – a não fazer parte do grupo fundador do sindicato dos professores da UFS, em 1979. Essa era uma prática muito corrente na UFS, a qual também alcançava os estudantes universitários. É uma lástima que estudantes ligados ao PCdoB tenham dado fim aos arquivos da AESI quando a abertura política também alcançava os meios acadêmicos brasileiros. Imagino que muitas fichas biográficas de professores tenham sido perdidas.