Luiz Eduardo Oliveira
Doutor em Saúde e Ambiente
Poderíamos pensar que uma pandemia, como esta provocada pelo SARS-COV-2 ou síndrome respiratória aguda grave, modificaria a maneira com a qual o Brasil e o estado de Sergipe reuniriam esforços e atitudes convergentes. Partindo dessa premissa teríamos um pais coeso formado em parceria com a União, Estados e Municípios, com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com os Ministérios Públicos, com as Secretarias de Saúde dos Estados, com as Forças Armadas, com a Imprensa, e finalmente estaríamos com um verdadeiro arsenal de enfrentamento ao vírus mortal. As ações até agora realizadas, desde 2020, demonstram o contrário.
No Estado de Sergipe, especificamente em Aracaju, a ideia do que seja uma guerra passa bem distante daquela que conhecemos, pois estamos assistindo a um show no quesito embelezamento da cidade. Obras de fachada que têm na nova orla de Atalaia, em fase de conclusão, um símbolo do equívoco e da falta de prioridade no uso do dinheiro público. Todo o orçamento público deveria ser destinado a manter e promover as condições estruturais dos hospitais públicos existentes e dos hospitais de campanha. As imagens apresentadas nos noticiários, focadas nas mortes, são completamente diferentes das que podemos observar em nossa cidade.
Quanto ao novo destino turístico (de guerra?) de Sergipe uma reflexão precisa ser feita, pois como dizem os mais velhos, estão colocando remendo novo em roupa velha, e todos já podem prever o resultado. Uma pergunta básica e recorrente precisa ser escrita e desenhada: que tipo de turismo vamos ter? Restaurantes fechando ou já fechados, hotéis do mesmo jeito, casas de espetáculos impedidas de funcionar. De onde virão esses turistas? Uma boa parte dos sergipanos já estarão mortos.
O momento exige reflexão e neste artigo começaremos pela construção da nova orla, com passarelas que conduzirão os “turistas fantasmas” ao mar. Para estas ações foram orçados valores consideráveis, sendo que na primeira etapa, com a rubrica de “Obras de adequação urbanística das praias do litoral sul de Aracaju”, com conclusão para março de 2021, foram utilizados o valor de R$ 8.341.520,63. Para a segunda etapa, com início em 10/2020, em pleno aumento da “curva pandêmica”, houve o investimento de R$ 2.770.002,12. Já para a terceira etapa, outra obra de adequação urbanística, também iniciada em pleno auge da tal curva, foi disponibilizado o “valorzinho” de R$ 13.140.286,40. Em tempos de guerra e de mortes essas obras teriam que ser (re) avaliadas.
Para a implementação do novo terminal rodoviário do mercado, com obras iniciadas em junho de 2020, houve a liberação do valor, inicialmente orçado em R$ 10.450.403,52, para recepcionar ônibus lotados de pessoas amedrontadas e desesperadas, mas que precisam trabalhar. Por que não investir no aumento da frota pública ou na habilitação da frota particular?
Enquanto isso muitos espaços públicos estão abandonados e para ilustrar basta comparecer à Unidade de Qualificação profissional “Cleia Maria Brandão”, na Coroa do Meio que se encontra à deriva, ao centro de Convenções de Sergipe, que recebeu o “investimento” de R$ 19.314.300,42 e que já deveria ter finalizado em 06/2019 e à sede da Associação de Pescadores da Atalaia Velha, obra iniciada em janeiro/2018, com prazo de conclusão estimado em 180 dias. Poderíamos acrescentar o terminal pesqueiro, o abandonado prédio sede da Prefeitura de Aracaju, o destruído e esquecido Hotel Palace, o prédio do INSS, estes últimos localizados no centro da cidade. Todos poderiam ser utilizados, após reformas, como hospitais de campanha.
Aconselhável revermos as sátiras do poeta romano Juvenal “Quis custodiet ipsos custodes?”. Importante registrar que estamos diante de mais uma controvérsia histórica, pois alguns acreditam que Platão já havia abordado a temática na sua obra, A República.
Esqueçamos, por enquanto, essas e outras obras “fantasmas” e analisemos as aglomerações que continuam sendo realizadas no “Espaço de Convivência” na orla, área do SESC, construída no governo de João Alves Filho. O local, hoje, abriga e recepciona moradores de rua. Ali e em outros espaços como o Arena VIP e a antiga Baviera Haus, da Atalaia, as infrações aos decretos ocorrem sem qualquer fiscalização ou cumprimento das medidas impostas aos demais cidadãos.
Em meio ao cenário de guerra, dito de forma subliminar pelo Estado e pela capital, Aracaju, ocorrem outras obras não destinadas ao enfrentamento ao inimigo (o vírus), como o recapeamento asfáltico para permitir o transporte dos mesmos ônibus, lotados e sem circulação de ar. O inimigo continua solto.
Paralelamente e concomitantemente as aglomerações continuam existindo nas filas dos estabelecimentos bancários, nas feiras livres, nos bairros periféricos e nos hospitais. Investimento só se justifica em ações voltadas para combater o inimigo (in) visível.
Postas essas considerações e para finalizar, uma medida de reconhecimento aos profissionais de saúde, que atuam nos atendimentos de urgência e emergência, deveria ser o acesso a uma aposentadoria digna aos combatentes de guerra. Aposentadoria compatível como o salário destinado aos desembargadores, procuradores, promotores, juízes, deputados, etc. Com a pós pandemia e até a aposentadoria deveriam ter direito a duas férias anuais e recesso. Este sim seria o reconhecimento, por parte do Estado, da importância desses profissionais que literalmente doam e salvam vidas durante o período de guerra.