SERRA DA MIABA: um patrimônio natural no agreste sergipano

Amâncio Cardoso.[1]

            Nos últimos anos, um dos lugares mais visitados por amantes de trilhas ecológicas é a serra da Miaba. Ela tem altitude de 630 metros e faz parte do Domo de Itabaiana, um complexo de serras muito antigas do ponto de vista geológico. A Miaba também faz parte do Polo das Serras, uma das regiões turísticas de Sergipe.

A maior porção da serra da Miaba se localiza no município de São Domingos, mas ela também fica nas proximidades dos municípios de Macambira e Campo do Brito, mesorregião do agreste sergipano, a cerca de 70 km de Aracaju.

            A etimologia de Miaba é de origem indígena e, segundo o pesquisador dos nomes da língua tupi na Geografia de Sergipe, Armindo Guaraná (1848-1924), o termo advém de Mbiaba, que significaria “a prisão”, ou ainda “o esconderijo”.[2]

De fato, esta interpretação etimológica é pertinente, pois quando as tropas luso-baianas de Cristóvão de Barros atacaram e conquistaram o território sergipano em 1590, durante a famosa Guerra de Sergipe, as tribos que se localizavam na zona costeira buscaram as serras, na tentativa de se esconderem e fugirem ao cerco militar, evitando a morte ou a escravização. Nos séculos seguintes, os indígenas continuaram sendo expulsos para regiões serranas, devido à perseguição dos sesmeiros que transformaram suas terras em fazendas para criação de gado ou para plantação canavieira.

No século XIX, a serra da Miaba foi registrada numa importante obra publicada em 1845. Trata-se do “Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil”, do militar francês Milliet de Saint-Adolphe. O dicionarista nos informa que, em 1840, acreditava-se que existiam abundantes minas de ferro e salitre na serra da Miaba. Lembremos que notícias de supostas minas nas serras do Domo de Itabaiana corriam desde os séculos anteriores.[3]

Um exemplo dessas notícias está anotado no testemunho do pároco D. Marcos Antônio de Souza (1771-1842), que foi manuscrito no final do século XVIII e publicado em 1808. O presbítero afirma que os moradores da região das serras de Itabaiana julgavam existir ali “copiosas minas de prata”.[4] Estas supostas minas foram pesquisadas por Belchior Dias Moreya, colono português que teria um filho com uma índia da aldeia do Geru, na região do rio Real, e que escravizara indígenas de diversas nações, usando-os nas entradas (expedições de exploração) pelos sertões.[5]

Noutra obra, do final do século XIX, a Serra da Miaba foi destacada como uma das principais serras da orografia (descrição das montanhas) de Sergipe. Trata-se do livro didático do professor Laudelino Freire (1873-1937). Neste trabalho, repetindo seu irmão, o historiador Felisbelo Freire (1858-1916), Laudelino também registrou a tradicional presença dos primeiros exploradores de minas de prata no período colonial, na região da Miaba.[6]

Logo após, no início do século XX, o Álbum de Sergipe, publicado em 1920, também assinalou a Miaba como uma importante serra da cordilheira de Itabaiana, a qual “tem mais ou menos o aspecto de um cone e é de ascensão perigosa”.[7] O perigo da subida, registrado no Álbum, é atualmente motivo de atração para aqueles que percorrem suas trilhas nos passeios ou acampamentos de fim de semana.

Em meados do século XX, a Miaba também foi descrita na importante Enciclopédia dos Municípios, publicada em 1959 pelo IBGE. Nesta obra, atribuía-se a existência de jazidas de minerais na serra da Miaba que ainda não tinham sido exploradas, a exemplo de “areias monazíticas, cristal de rocha, grafita, piritas, salitre, sal pole, pedra pome, caulim, carvão-de-pedra e ocre”.[8] Estes minerais não são tão valorosos ou nobilitados para o comércio como aqueles que se supunham existir no tempo da Colônia, a exemplo do ouro e da prata.

Atualmente, o interesse sobre a serra da Miaba não é mais no campo da mineração, mas no da preservação ambiental, aliado à visitação de um atrativo ecológico. O segmento do turismo ecológico propicia a presença de grupos de visitantes, que fazem caminhadas nas trilhas para usufruir da beleza natural do lugar, ainda conservada. Riachos, quedas d’água, lagoas, plantas, arbustos, pássaros, além da vista panorâmica do agreste central sergipano, são alguns dos atrativos naturais procurados.

Por outro lado, o aumento da busca por ambientes naturais para visitação pode atrair grupos que não cumpram os princípios do ecoturismo, que mantêm práticas sócio/ambientais sustentáveis para evitar a depredação dos recursos naturais e a aversão dos moradores aos visitantes; ou ao que se convencionou denominar de Turismofobia (rejeição social ao turismo de massa ou ao turista em geral). Para se evitar tal situação, estratégias de gestão desse atrativo precisam ser postas em prática.[9] 

Neste sentido, uma iniciativa foi realizada. Em abril de 2021, a Secretaria de Estado do Turismo recebeu ofício das Prefeituras de Macambira, Campo do Brito e São Domingos, solicitando o enquadramento e classificação ambiental das áreas naturais da Serra da Miaba. O documento estabelece medidas de políticas protetivas e desenvolvimento do ecoturismo na região, visando adequações ambientais, ordenamento das trilhas e atrativos mais visitados.[10]

Quanto aos atrativos culturais da região da serra da Miaba, nota-se a predominância da cultura da mandioca e da fabricação de farinha, além de outros derivados gastronômicos que fazem parte da “Rota da Farinha”. Esta rota foi instituída por um decreto da Assembleia Legislativa de Sergipe, aprovado em outubro de 2020. Tal percurso apresentará como um dos atrativos as casas de farinha, típicas da cultura local, as quais constituem uma tradição secular, gerando renda às famílias da zona rural e fortalecendo o turismo gastronômico na região.[11]

Vimos que a serra da Miaba, além de ser um patrimônio natural de inconteste importância geográfica e histórica, também tem potencial para ser um dos lugares mais atraentes do turismo em zona rural do Estado de Sergipe, beneficiando os turistas amantes de novas experiências, e que respeitam a natureza, como também àqueles que procuram um atrativo cultural inovador, a partir das tradições locais.


[1] Professor dos cursos de Turismo do Instituto Federal de Sergipe.

[2] GUARANÁ, Armindo. Glossário Etymológico dos Nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de Sergipe. Revista do IHGSE, Aracaju, v. 3, fasc. 1-4, p. 297-326, 1916.

[3] SAINT-Adolphe, Milliet de. Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Império do Brazil. Paris:  J. P. Aillaud, 1845. p. 85. V.2. 

[4] SOUZA, Marcos Antônio de. Memória sobre a Capitania de Sergipe: ano de 1808. Aracaju: SEC, 2005. p. 63. 

[5]  FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. 3. ed. São Cristóvão/SE: Edufs, 2013. p. 122-144. 

[6] FREIRE, Laudelino. Quadro Chorographico de Sergipe. 2. ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902. p. 12. (1ª edição de 1896).

[7] SILVA, Clodomir. Álbum de Sergipe: 1820-1920. Aracaju: Infographics, 2019. p. 215.    

[8] FERREIRA, Jurandyr Pires (Org.). Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. p. 264.  

[9] Disponível em: https://www.blogprimeiramao.com.br/ecoturismo-em-se-trilhas-mais-procuradas-sao-as-das-serras-da-miaba-e-itabaiana/. Acesso em: 28/10/2021.

[10] Disponível: https://www.se.gov.br/noticias/desenvolvimento/sergipe_avanca_na_implantacao_da_rota_da_farinha. Acesso em: 28/10/2021.

[11] OLIVEIRA, Kelly Monique. Projeto do Poder Executivo para “Rota da Farinha” é aprovado. Disponível em: <https://al.se.leg.br/projeto-do-poder-executivo-para-rota-da-farinha-e-aprovado/>. Acesso em: 12/10/2021.

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