Um parque para poucos ou uma cidade para todos? A Reforma do Parque de Sementeira, quando óbvio precisa ser dito

John Max Santos Sales – Economista (UFS), Tecnólogo em Saneamento Ambiental (IFS), Especialista em Educação Empreendedora (PUC/Rio), Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e Doutorando em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Aracajuano de nascimento e
de coração.

O óbvio as vezes precisa ser dito: vivemos nas cidades. Em país cada vez
mais urbano, isso é uma de uma obviedade cada vez maior para imensa
maioria dos brasileiros. E como tal, cada um sabe a dor e a delícia de viver
nela, parafraseando Caetano Veloso. As cidades oferecem vários
equipamentos públicos e serviços que proporcionam bem-estar a sociedade,
no entanto, elas podem ser duramente seletivas ao restringir o acesso à grande
parcela da população. Residentes de áreas mais pobres são obrigados a
conviver diariamente com mazelas de diversas magnitudes, enquanto a classes
de alta renda localiza-se em espaços da cidade com atributos mais atraentes.


No âmbito dessa discussão vale destacar o anúncio do prefeito de Aracaju em
sua rede social: “De Parque da Sementeira a um Ibirapuera ou Central Park do
futuro. E pra breve”. Nele é noticiado a revitalização do Parque da Sementeira
por meio de empréstimo de R$20 milhões concedidos pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Neste sentido vale questionar:
Considerando um quadro de crise econômica e de preocupantes disparidades
intraurbanas, é justo direcionar esse recurso para a reforma do parque?


O parque em questão encontra-se localizado na zona sul e não
coincidentemente em suas adjacências encontram-se os bairros que
apresentam o maior nível de renda mensal domiciliar da cidade, segundo
dados do IBGE. Como sabemos, são localidades que possuem infraestrutura e
condições físicas suficientes para os que ali residem, o que difere, por exemplo
de bairros ocupados por população de baixa renda, que continuam
estigmatizados e com carência de infraestrutura e equipamentos públicos
essenciais para os residentes.


A problemática aqui esmiuçada não parte da discussão sobre a prejudicialidade
ou não do projeto para a cidade, pois a questão deve ser outra: Por que a
solicitação de empréstimo para revitalizar o parque da sementeira ao invés de
ser para realização de investimentos em bairros carentes com vistas a elevar
seus indicadores sociais? Não se pode vislumbrar a repaginação de um parque
situado em área rica sem antes solucionar os problemas da periferia
aracajuana. Valendo frisar que não se trata de meras ações pontuais, mas sim
estruturais e que elevem a autoestima coletiva dessas populações.


O prefeito fala na referida matéria que “Eu guardava o sonho de fazer do
Parque da Sementeira, guardadas as devidas proporções, o nosso Ibirapuera,
o nosso Central Park (…)”. Diante desse argumento é de se questionar quando
haverá o sonho de realizar verdadeiras transformações urbanas nas áreas
mais desfavorecidas da urbe. A compreensão do processo de estruturação do

espaço urbano já nos dá indicações de que nas áreas mais aprazíveis da
cidade estão localizadas a classe de alta renda. Tendo em vista este cenário,
precisa-se de um governante que sonhe em tornar o investimento público
prioritário nas áreas mais pobres. Os cidadãos aracajuanos privilegiados
também podem usar seu lugar de privilégio ao lembrar o óbvio: suas vidas
não mudarão com a revitalização do parque, pois por dever de consciência
sabem que em tempos de escassez de recursos existe uma parcela da
sociedade em que a aplicação desses R$20 milhões faria uma diferença
significativa. E caso não saibam, faço um convite a conhecer a realidade social
e urbana da periferia aracajuana. Alteridade e empatia, nesses tempos, fazem
muito sentido.


Sendo assim, esse texto é um convite para refletir e debater não somente
sobre o investimento público, mas também sobre a localização onde ele se
emprega. Aracaju não precisa em caráter de urgência de cartão postal,
necessita de um engajamento político e técnico sério em que tenha como
horizonte o verdadeiro exercício do chamado direito à cidade. Em outras
palavras, a periferia importa e é parte da cidade. Dito isso vem a calhar trazer
um trecho da obra do artista Chico Science que com sua genialidade
transformou o óbvio em poesia :

A cidade até que não está tão mal
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos
A cidade não para, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce.

Dessa vez, espero que a classe dirigente do município escape ao óbvio e
destine os R$20 milhões para tornar a periferia mais aprazível para aqueles
que lá vivem. A política pode ser bem óbvia, mas também pode ser
revolucionária.

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