Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS
O período da Guerra Fria, ocorrido entre o fim da II Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim, gerou ondas de exilados entre protagonistas políticos do lado dos Estados Unidos e da então União Soviética depois tornada a Rússia. Existia uma guerra indireta entre essas duas potências, através de governos e de grupos políticos armados ou não, que teve, em 1962, na Crise dos Misseis soviéticos instalados em Cuba o seu momento mais perigoso, quando a Guerra Fria chegou perto de tornar-se uma guerra nuclear. Felizmente, a União Soviética teve a sensatez de recuar e fazer retirar os seus mísseis de Cuba.
Essa Guerra Fria opunha então um grupo de países ditos do “mundo livre” liderados pelos Estados Unidos e outro formado por governos seguidores do totalitarismo chefiados pela União Soviética. Durante essa guerra dita fria, o Brasil se posicionou do lado estadunidense na luta contra os soviéticos. Internamente, havia o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que se tornará a matriz de outras organizações, nascidas de dissidências do PCB que, por seu turno, darão origem a novos grupos políticos comunistas. Depois da tentativa fracassada de golpe de 1935 pelo PCB, essa organização adotará doravante uma linha reformista, não revolucionária.
O golpe militar de 1964 fez parte dessa luta entre norte-americanos e soviéticos em solo brasileiro, para supostamente impedir que o Brasil se transformasse uma grande Cuba na América do Sul. Membro do PCB em Sergipe, Agonalto Pacheco era um militante comunista que muito se destacou como grande liderança sindical e política, recebendo grande atenção por isso mesmo dos órgãos de segurança antes e a partir do sucesso da ruptura constitucional promovida pelos militares. A seguir, quero jogar um pouco de luz sobre Agonalto Pacheco, esse ativista político nascido em Aquidabã, em 28 de fevereiro de 1927.
Agonalto Pacheco era um tipo alto e, pelas fotos vistas na Internet, tinha sangue africano. Veio ao mundo numa família popular, filho que foi de trabalhador rural e feirante que vendia mandioca. A sua mãe deve ter sido uma dona de casa que também ajudava na roça. A sua família partiu de Aquidabã quando ele ainda era criança, fixando-se em Aracaju. Na capital sergipana, fez estudos até a escola secundária profissionalizante. Em seguida, foi aprovado em concurso público para fiscal da Receita estadual, onde trabalhou até ser obrigado a deixar Sergipe. Mais tarde, exilado em Cuba, informou que fez uma graduação e um mestrado em Filosofia. Não é possível dizer se seus diplomas superiores cubanos eram do tipo universitário ordinário e, bem menos, se ele também recebeu treinamento militar para guerrilheiro.
Em 1944, com quatorze anos, tornou-se membro do Partido Comunista Brasileiro, atuando, como era de se esperar, no meio estudantil. Enquanto frequentava a escola secundária, foi preso três vezes nesse tempo em que era menor de idade. O seu ativismo político continuou na mesma organização comunista depois que se tornou servidor público. Era um agitador político nato e grande orador. Foi eleito presidente do sindicato dos funcionários públicos estaduais e, no período anterior ao regime militar, participou de pelo menos doze greves e discursou em muitos comícios e assembleias sindicais. Em 1958, foi eleito vereador por Aracaju pelo Partido Trabalhista Brasileiro, agremiação política que serviu de cobertura para a sua política partidária, na impossibilidade legal de concorrer pelo PCB. O ativismo político de Agonalto Pacheco não era exclusividade sua no seio de sua família. Com efeito, o seu irmão Osvaldo Pacheco era membro do CGT nacional, radicado no Rio de Janeiro. Em Aracaju, Agonalto Pacheco fazia parte da cúpula do “partidão” e era o líder da célula do “partidão” (outro nome dado ao PCB) entre os servidores públicos estaduais. Em resumo provisório, Agonalto Pacheco teve um forte protagonismo na política sindical e partidária sergipana antes da ditadura militar. Os seus passos eram, todavia, seguidos pelas agências de segurança e informação do Estado brasileiro. Quando veio o golpe militar de 1964, o seu nome estava no topo da lista das pessoas a serem detidas.
Fugiu para a capital paulista e passou a responder processo na Justiça Militar na condição de “foragido”. Trabalhou em vários empregos da cidade de São Paulo, onde conseguiu reatar seus laços com membros do PCB. Depois que Carlos Marighella resolveu formar uma nova organização para fazer a luta armada contra o regime militar, Agonalto Pacheco seguiu o baiano que criou a Aliança Libertadora Nacional (ALN), um importante grupo de guerrilha urbana, responsável por sequestros, assaltos a bancos, etc. Não se sabe se Agonalto Pacheco participou de alguma dessas ações políticas radicais. Antes de ser preso em 1969, o sergipano disse que conseguiu ajudar na reestruturação de cerca de três centenas de sindicatos no Estado de São Paulo, que tinham sido desmontados com o controle do Estado pelos militares. Durante a sua prisão no DOPS de São Paulo, sofreu todos os tipos de tortura como, por exemplo, pau de arara, cadeira do dragão, telefones, socos na barriga, choques elétricos, etc. O que queriam os seus carrascos ouvir dele? Fácil de imaginar: buscavam Marighella. A despeito de todas as porradas recebidas, não entregou o paradeiro do chefe de sua organização.
É nesse tempo de radicalização também do regime militar (com a morte de Costa e Silva seguida do controle do Estado por Junta Militar) que a ALN e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), numa ação conjunta, sequestraram com sucesso o embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, residente no Rio de Janeiro. Entre as exigências do grupo sequestrador para libertar o diplomata, estava a libertação de quinze opositores do regime militar que se encontravam presos em diversas capitais brasileiras. A inclusão do nome de Agonalto Pacheco é um indicador de que ele era um “peixe grande” para os movimentos radicais e armados então em atividade. Ele torna-se assim um dos quinze passageiros do avião Hércules 56 que levará tais presos políticos ao México. Foi “imortalizado” na foto que correu o mundo tirada dos futuros exilados em frente do avião. Da capital mexicana, ele fará parte do grupo dos doze exilados que decidiram partir para o exílio político em Cuba. Em Havana, ele trabalhará e estudará até 1979, quando o general João Batista Figueiredo decretou a anistia para os brasileiros que, por motivação política, estavam presos, foragidos, desaparecidos e exilados, sem esquecer dos agentes do regime militar que cometeram infrações contra os direitos humanos. Ainda sobre o seu exílio, ele também passou uma temporada na Argélia.
De volta ao Brasil, depois de dez anos exílio, Agonalto Pacheco encontrou a sua primeira esposa então residindo em São Paulo. Ao mostrar interesse em retornar a viver em Sergipe, ela deu a ele um xeque-mate, dizendo-lhe algo como: “Se você quiser voltar àquela vida de agitação, de política etc., eu não irei com você”. Ele veio sozinho. Em Aracaju, foi recebido como “herói” no aeroporto pelo ex-governador João de Seixas, além de ativistas comunistas. Aqui se casou novamente com uma prima com que viveu até a sua morte em 2007. Em relação à política, por alguma razão, ele não conseguiu fazer valer o capital político acumulado na sua vida política no Brasil e em Cuba. Ele se reintegrou ao PCB, só dele se afastando quando foi transformado em PPS. Ocupou pequenos cargos públicos irrelevantes. Participou de grupo, comandado por Wellington Mangueira, que ministrou cursos sobre o marxismo ainda na perspectiva soviética. Ainda viveu bastante para poder fazer sua autocrítica por ter escolhido o caminho da luta armada, mas aparentemente isso não aconteceu. A despeito disso, é um nome de um ativista político nacional que precisa ser conhecido por todos os sergipanos para que valorizem a democracia como a única estrada para mudanças políticas.
PS: Duas fontes foram usadas na produção desse texto. As memórias de Agonalto Pacheco incluídas no livro de SANTOS,Osmário.Memórias de Políticos Sergipanos. (Org. Afonso Nascimento. Aracaju: Editora J. Andrade, 2022 e documentos do SNI que fazem parte das “Memórias Reveladas”, disponíveis ao público em geral no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.